Quando comecei a jogar RPGs, eu não me importava com protagonistas silenciosos. A maioria dos RPGs do Super Nintendo apresentava um herói reservado cujas falas eram identificadas pelas respostas dos NPCs, em vez da sua própria caixa de diálogo. Como eu não conhecia o oposto, apenas aceitava. À medida que os jogos evoluíram e os protagonistas começaram a ganhar voz, dando cor e personalidade a eles, eu comecei a considerar a inserção de protagonistas silenciosos como algo preguiçoso e um desperdício narrativo – eu adoraria ouvir Crono pleiteando sua inocência no julgamento de Guardia, por exemplo, e não ficar apenas a mercê de algumas testemunhas bem safadas.
Os anos se passaram, e os protagonistas silenciosos de RPGs foram se tornaram mais raros. Eles eram um arquétipo ameaçado de extinção. E mesmo com tantos protagonistas vocais e dinâmicos por aí, os de Final Fantasy estão entre os mais populares da mídia. Cecil, Cloud, Zidane, Tidus, quiçá Squall, todos esses possuem algo que nos permitem sintonizar com seus conflitos e suas crises, sem deixar de lado o fator “somos fodões.” Quem não gostaria de ser – ou ter um amigo – como eles?
Eu já fiz um punhado de cursos de roteiro e se há algo que todos repetem é como é importante fazer uma conexão emocional entre o leitor e os personagens da obra. E uma das práticas mais convincentes para criar essa conexão é destacar o quão falhos esses personagens são. Não que eles precisem ser ruins, quebrados ou inverossímeis. Mas precisamos lembrar ao interlocutor que os personagens são humanos, com problemas, medos e inseguranças relacionáveis. Que por trás daquele dano de 9,999, existe alguém que só quer encontrar seu lugar no mundo e ser feliz. Dessa forma, mesmo esses personagens fictícios e poligonais se tornam reais e tangíveis, permitindo que sua existência se estenda além da obra original.

Isso significa que o oposto é ruim e que os personagens silenciosos são totalmente descartáveis? Um momento, logo chego lá. Existem problemas com esses protagonistas com personalidade pré-definida. Sempre há o perigo do jogador não se relacionar com ele. Ou mesmo não considerar o seu arco narrativo como convincente o suficiente para aquilo que lhe foi proposto, entre outros inúmeros percalços. Isso pode atrapalhar a experiência e frustrar o jogador para outros momentos da história que mereciam sua atenção além do opaco protagonismo – Vaan, de Final Fantasy XII, me vem à cabeça.
Mas e o personagem que não tem personalidade pré-determinada? Eles são tão brancos e rasos que o jogo nem dá a eles uma voz. Parece chato, e na maioria das vezes – pelo menos para mim – é. Eu nunca me senti “eu” ao criar um personagem em Skyrim ou Baldur’s Gate. Oras, até mesmo The Sims. Queria eu poder ganhar uma promoção no emprego a cada semana. Pior ainda em séries que nos permitem assumir o manto de um protagonista, mas sem nos dar as rédeas de sua customização. Persona é assim. Com sua ambientação contemporânea, eu tenho ainda mais dificuldades de me sentir na pele de um estudante colegial japonês porque sei o quão irreal isso soa. Por isso que muitas vezes eu opto pelo nome cânone dele.
Porém, como rege o título em questão, Final Fantasy XIV foi responsável por mudar minha opinião quanto a protagonistas silenciosos. Como eu me senti emocionalmente ligado a um personagem que sequer proferiu uma palavra em 2000 horas de gameplay e suas mais ousadas respostas se resumem a um meneio de cabeça?

Final Fantasy XIV é um MMORPG focado na história e o seu sucesso lhe permitiu beneficiar-se de inúmeras horas e incontáveis quests para construir o mundo e expandir sua narrativa ao longo dos anos. Isso também me possibilitou crescer junto com a trama e seus personagens. Desde o começo, era eu, um jovem Ryu Akechi, chegando em Ul’dah, ajudando diversos transeuntes, até ser recrutado pelos Scions e me tornar o salvador máximo do mundo enquanto brincava de navinha ou basquete na Gold Saucer.
Nessa jornada por Eorzea (preservando spoilers), eu nunca imaginei que os NPCs se tornariam meus melhores amigos. Alphinaud – nosso porta voz por boa parte do jogo -, tem um crescimento muito palpável. Eu observei sua ingenuidade, seus erros, seu idealismo irrefreável e sua incapacidade nesses últimos anos até o momento onde ele se reergue e aprende com os erros, tornando todas suas conquistas mais doces e me fazendo vibrar juntamente dele. Não foi um personagem predefinido que o acompanhou e teve respostas predefinidas para suas ações – embora as escolhas dessas não alteravam em nada o destino da trama -, fui eu, Ryu Akechi. Foi o meu relacionamento com o de Alphinaud que evoluiu ao longo do tempo.
No entanto, ainda há um grande porém nessa história. O Guerreiro da Luz beira a perfeição. Teoricamente, seria impossível nos relacionarmos porque ele não precisa superar seus medos ou inseguranças de uma forma que nos inspira. Eles raramente cometem erros e frequentemente demonstram excelência em qualquer atividade que realizam, seja construindo uma cama voadora ou destruindo demônios engolidores de realidades com uma lança lendária que ele mesmo forjou. Mas para mim, o Guerreiro da Luz é cativante porque, assim como ele, sempre devemos buscar ser a melhor versão de nós mesmos.

Entrar e assistir meu personagem – me assistir – ser aclamado como um herói destemido é reconfortante após um longo dia de trabalho. Eu anseio por ser útil na minha vida. Quando comecei a jogar Final Fantasy XIV, eu era apenas mais um jogador me divertindo no meu tempo livre. Mas conforme a narrativa me estabelecia como o Guerreiro da Luz, Campeão de Eorzea, Matador de Deuses, Guerreiro da Escurdião e tantos outros apelidos, percebi que a influência, e o mérito, eram meus.
Narrativamente, talvez não tão influente. Mas era eu investindo meu tempo, tentando, falhando e, finalmente, triunfando. Nem quero entrar no assunto de Savage porque ainda tenho estresse pós-traumático com algumas lutas…
Sempre que a narrativa se desenrolava em um conflito onde alguém dizia: “Não se preocupe, nosso campeão nos ajudará” ou algo do tipo, eu ficava todo sentimental. As pessoas confiavam em mim. Elas sabiam que vinha o que vier, eu estaria lá para resolver a situação. E estava. Porque eu sou o Guerreiro da Luz. Sou eu entrando no jogo, assumindo meu avatar e fazendo o que devo fazer.

Confesso que quando terminei Endwalker e os créditos rolaram, ver a última pessoa no elenco sendo o Guerreiro da Luz com o meu nome me fez desabar em lágrimas. O mundo todo contava com as mãos de um jovem Dragoon, e não decepcionei.
Sei que muitos protagonistas silenciosos são insípidos e muitos protagonistas de Final Fantasy são carismáticos e magnéticos. Mas ver o Guerreiro da Luz sempre dando o seu melhor e construindo um relacionamento de confiança bem merecido com seus colegas me incentiva a fazer o mesmo, por mais artificial ou efêmero que isso soe. É por esse motivo que eu considero o protagonista silencioso de Final Fantasy XIV mais cativantes do que qualquer outro personagem principal.
Fonte: Adaptado do meu artigo original em TheGamer.


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